“Escola barra alunas vestidas de forma 'sexy e provocativa'
Na manhã de ontem, um grupo de aproximadamente 60 estudantes de 15 e 16 anos, na maioria mulheres, foi impedido de entrar na escola estadual onde estudam.
O motivo: estavam vestidas de forma ‘muito sexy e provocativa’, disseram os alunos, na opinião da diretora da Dr. Alarico Silveira, escola que fica na Barra Funda (zona oeste de São Paulo), identificada só como Raquel (…)
Duas meninas que usavam camisetas com o logotipo da escola foram barradas porque os sutiãs eram muito coloridos, fato admitido pelos próprios professores e gestores, que pediram para não ter seus nomes identificados (…)
Impedir a entrada de estudantes que não estejam de uniforme (mesmo que seja de camiseta branca simples) é ilegal, conforme a própria Secretaria Estadual de Educação”
Essa matéria é interessante para entendermos a tensão que existe entre sociedade, norma e poder em uma democracia.
As normas surgem para exprimir a vontade da sociedade a longo prazo. E é aí que aparece o primeiro problema: a sociedade muitas vezes muda antes da norma. Nosso Código Penal de 1942 dizia que o adultério era crime. Mas pessoas casadas dormiam com estranhos e não tão estranhos mesmo assim. Apenas em 2009 esse artigo foi revogado. A revogação do artigo foi a lei tentando se atualizar à sociedade.
Mas a sociedade não muda de uma vez. Há sempre algumas pessoas que mudam antes. Rock n’ roll apareceu antes que o mundo soubesse que gostava de rock n’ roll, e no início apenas alguns adolescentes pareciam curti-lo. A tatuagem era ‘coisa de criminoso ou estivador’, mas hoje filhas das ‘melhores famílias da alta sociedade’ (o que quer que isso signifique) ostentam tatuagens públicas e privadas. O mesmo para o piercing. Mulheres usavam vestidos longos encobrindo coxas, joelhos e canelas até o dia em que alguém resolver inventar a minissaia e a moda pegou. O homens sempre preferiram mulheres de peles pálidas até que pessoas como Paul Gaugin, Coco Chanel e Josephine Baker mudaram nossa percepção e hoje passamos horas na praia nos bronzeado. E houve um tempo em que capoeira era considerado um delito no Brasil.
Todas essas normas (culturais, morais ou legais) mudaram depois que a sociedade mudou, e a sociedade mudou depois que algumas poucas pessoas começaram a mudança. E essas pessoas normalmente são os jovens, artistas, visionários ou loucos (ou uma combinação dessas coisas).
As normas refletem a cultura, e quando a cultura muda, a norma precisa correr atrás para se adaptar. O problema é que muitas vezes é difícil saber que mudanças vieram pra ficar, e que mudanças são apenas passageiras.
Pense, por exemplo, no estupro presumido de um vulnerável ou na capacidade civil: para a lei, você não está preparado para fazer sexo ou comprar uma casa, e quem fizer sexo com você é um criminoso, ou vender uma casa para você perderá dinheiro. Aí um dia você faz aniversário e a partir daquele dia – como se uma fada madrinha do sexo ou dos negócios te desse de presente toda maturidade necessária – a lei presume que você já sabe o que está fazendo. Isso só acontece porque não sabemos como tratar o assunto de outra maneira mais inteligente legalmente.
Mas o problema não acaba aí: uma norma legal só é boa se há mecanismos para reforça-la. Ou seja, se alguém tem poder para impor e punir quem desobedece. É por isso que temos leis processuais que determinam quem pode exercer o poder, e como deve exerce-lo.
Só que muitas vezes quem tem o poder não está preparado para usa-lo ou não quer se restringir aos limites de seu uso. E o abuso é quase sempre pior do que a consequência que a norma está tentando prevenir ou reprimir. Por exemplo, prender alguém de 74 anos que recebe R$292 porque não consegue pagar a pensão alimentícia de R$300 dos netos é uma forma de abuso desse poder. Torturar um suspeito de cometer um crime é outra forma.
Porque precisamos confiar em quem tem o poder de nos controlar, sempre que há um abuso desse poder, a rejeição da sociedade é enorme. Repare nisso: bandidos matam muito mais inocentes do que policias, mas sempre que um policial mata um inocente a revolta social é muito maior.
A matéria acima mostra exatamente esses dois problemas:
Primeiro, a sexualiazação dos jovens pode ou não ser uma mudança cultural permanente. E é por isso que seu tratamento jurídico é tão controverso. Camisas justas, sutiãs coloridos, cuecas acima da cintura etc podem ser uma ‘moda que veio pra ficar’ e não adiantaria tentarmos tapar o sol (os fatos) com a peneira (a lei): as normas (morais ou legais) terão de se adaptar. Mas se não é uma mudança permanente, tentar mudar a norma é perda de tempo ou pode mesmo ser perigoso, porque uma norma que muda antes da sociedade pode acabar moldando a cultura da sociedade. Pense no cinto de segurança ou na cadeirinha de bebê: pouca gente usava antes que fossem obrigatórios. Depois que passaram a ser obrigados, você pode até remover a lei e a maioria das pessoas continuará usando-os. Nesses dois casos, a lei moldou a cultura, e não o contrário.
Segundo, quem tinha o poder de fazer cumprir as normas (morais, no caso), extrapolou seu poder. E, como é normal, isso gera enorme rejeição da sociedade.